BOEMIA, CAPOEIRA, SARAPATEL E OUTRAS DESAVENÇAS
O
luminoso da Pensão Nossa Senhora das Boas Dádivas acabara de ser desmerecido. Ali,
senhora respeitada de seus destinos e decisões, cafetina Merinha, pontual, desamuada,
sem impertinências, ajoelhou-se respeitosa aos pés da Madalena Santa, protetora
das moças carinhosas, agradeceu à vida tranquila que mais uma noite lhe dera. Cadinho,
molambo em figura, amenizava as solidões nos limites dos seus tracejados aonde
se enroscava aos pés da Catedral para beijar a melancolia.
O sino cadenciou mais uma agonia. Eram as
meias horas entre várias solidões. A Praça da Matriz acolhia um resto de puta
fumando, remoendo penúrias, bebendo esperanças e angústias. Dois cafetões,
Cabedeu da Quinha e Ritílio Bocadura, o mais atrevido capoeirista, o outro
municiado de navalha, que administravam sintonias das proteções às moças,
discutiam dosagens de maconha com o traficante Giradinho Doponto. As malícias
se desacomodavam entre o preço da erva e os coitos barganhados.
Um carro de polícia desconhecido, diferente
dos normais guardas que exploravam todas as madrugadas o entorno da matriz, as
meretrizes, traficantes, cafetões, capoeiristas, para colherem seus subornos,
coitos ou drogas, parou para averiguar o que poderia usufruir. Ensaiaram os
estranhos policiais as agressões e petulâncias de rotina, pedindo referências,
documentos, motivos para o catador abandonado, conversando com seus aléns,
protegido nos escuros das paredes das torres, ouvindo os embalos dos sinos.
Cadinho levantou os braços, silenciou, deixou
de lado os desaforos menores, engoliu os maiores. Os guardas viram que não
haveria dinheiro, maconha, interesses para serem extorquidos. Chutaram o
cachorro, espantaram os pombos, cuspiram e pisaram em cima do Cigano Simião desencarnado
há mais de século, por não aprenderem a vê-lo em alma ao lado do amigo Cadinho.
Riscaram os pés com seus coturnos sórdidos sobre os silêncios, anotaram no
bloco inútil as ocorrências, ligaram a sirene e foram des-apasiguar outros meandros.
Cadinho, desfeitou nos recalques e nas
contrafeitas de analfabeto e retirante. Descobriu que não aprendera a chorar.
Palmilhou um rasgo fundo, pois não sabia como des-sonhar seus pesadelos, para
desviver nos desaforos.
Ceflorence 10/09/18 email cflorence.amabrasl@uol.com.br
Muito tocante, Carlos. Uma cena tristemente familiar.
ResponderExcluirEmbora Unknown é uma alegria saber que chegou ao objetivo que é o de ser lido. Muito obrigado.
ExcluirDemais,Carlos! Adoro as suas crônicas.
ResponderExcluirAbraço,
Tânia
Moça Tânia.
Excluircomo sempre é uma alegria receber seus carinhosos comentários, que estimulam a continuar.