SALVAÇÕES, PECADOS E NOSTALGIAS.
Quem deu notícias na
boca da solidão àquelas horas da noite, repetidas badaladas, foi o sino da
matriz, escutando Cadinho, retirante e catador de rejeitos, conversar com Simião,
mais os pombos arrulhando em suas voltas miúdas. Liau sonolento, mastigando
suas fomes, aos pés do sucateiro, entremeados juntos aos destinos espalhados em
roda, santos na igreja, chafariz na quietude, postes apagando, vitrais góticos
cismando lamber os céus, e, por desfeita carinhosa, a brisa suave espionando o
chiado e o burburinho do silêncio. O luminoso da Pensão Nossa Senhora das Boas
Dádivas acabara de ser desmerecido. Senhora respeitada de seus destinos e
decisões, Cafetina Merinha, pontual, procedeu pôr fins nas tarefas, satisfeita
das manobras e tranquilidades do dia corrido, desamuada das obrigações e
impertinências, ajoelhou-se respeitosa aos pés da Madalena Santa, protetora das
moças carinhosas, agradeceu às graças do senhor, à praça, à vida tranquila das
venturas, que mais uma noite lhe dera.
Muito penhorada de
alegrias e responsabilidades cumpridas, Merinha, sem remorsos ou desfeitas por
consciência exata dos alinhamentos justos com as purezas, abnegada, rezou,
dormiu como sabia. Cadinho amenizava as solidões próprias nos limites dos seus
tracejados de carvão, pés sublimes dos carrilhões e vitrais, protegendo suas
gentes, angústias, dúvidas. Um carro de polícia desconhecido, diferente dos
normais guardas que exploravam todas as madrugadas o entorno da matriz, as
meretrizes, traficantes, cafetões, tradicionalmente, para colherem seus
subornos, coitos ou drogas, parou para averiguar o que poderia usufruir.
Ensaiaram os estranhos policiais as agressões e petulâncias de rotina, pedindo
referências, documentos, motivos para o catador abandonado, conversando com
seus fantasmas, protegido nos escuros das paredes das torres, ouvindo os
embalos dos sinos. Cadinho levantou os braços, silenciou, deixou de lado os
desaforos menores, engoliu os maiores, aconselhou-se com o cigano revoltado. Os
guardas viram que não haveria dinheiro, muito menos maconha ou outros
interesses para serem extorquidos, chutaram o cachorro, espantaram os pombos,
cuspiram e pisaram em cima do Cigano Simião, agitando seus orgulhos, por não
aprenderem a vê-lo em alma ao lado do amigo Cadinho, pronto para defender o
carroceiro. Riscaram os pés com seus coturnos sórdidos sobre os carvões
abençoados, ligaram a sirene prepotente, deram a diligência por realizada, tão
logo anotada no bloco inútil de ocorrências. Cadinho livre das contrafeitas
arrematou suas tristezas.
O
chafariz esperou o silêncio se acomodar para levar suas águas para descansarem.
As pombas recolheram seus arrulhos e se esconderam nas melancolias. As sete
luas de obobolaum não souberam fugir dos seus destinos, mas tiveram de aguardar
o sol se espreguiçar antes de se permitirem recolher em seus silêncios. Deus
abençoou com sabia a madrugada e se preparou para esperar os homens acordarem,
começarem a pecar e ele se atribular em perdões para não perder seus rebanhos.
Coisas dos aléns, dos tempos e dos sacramentos.
Ceflorence 27/03/18 email
cflorence.amabrasil@uol.com.br
Prezado Sr Florence,
ResponderExcluirObrigada por brindar nos brindar com mais uma crônica belíssima, na forma e no conteúdo, como é o seu estilo.
Um cordial abraço.