SOLIDÃO, ADJACÊNCIAS E
FASTIOS.
O
tempo amaciado na preguiça temperava o destino com o mesmo silêncio da melancolia
do cravo se deixando esparramar, abandonado e indiferente, ouvido pelas ruas se
entrecortando. Por oportuno, também poderia dizer o tanto mesmo das vielas e das
vilas quebradas, estreitas, escalando indiferenças e acasos da topografia. Tudo
arrastava melodia por onde soubesse cidade a ser invadida pelos teclados
dedilhados, do cravo. Mas, no proveito das verdades, prefeririam figurarem-se vazias,
se lhes desse escolher, para morrerem na embocadura das saudades ou no sopé do
nada; as ruas, as vielas, as vilas, as almas. A vida se fazia de poucas coisas,
mistura salobra de solidão e nostalgia, àquele fim de tarde, enquanto o azul se
fantasiava de adeus. O sino avisou que não adiantava tentar fugir da solidão,
pois eram seis as horas das aves-marias a procura dos espíritos pedindo preces
e meditações. As gotas d’águas, tão vagarosas de poucas, que poderia contá-las
em si, pendiam do telhado velho, em lágrimas curtas como o tempo pedia e eu
conseguia até escutá-las, sem me dar acarinhá-las como queria. Acho que não
conquistaria tal, mesmo se por deus fosse ou quisesse. A vida se faz de fim ao
cair mansa nas tardes de Assunhãe dos Perdões, quando todos fogem para
receberem suas noites e suas tristezas nas solidões das casas próprias.
Enquanto
ouço o temperado cravo, mas longe suficiente de meus imediatos, sem com ele
entrar em polêmica e também, se diga, sem afinidades, divago com o gato perspicaz,
de porcelana cor-de-rosa, se tanto, pelas pintas fugazes que exibe contra luz. Acomodado
gato, se faz claro comigo em conversa, sobre o silêncio da estante carcomida,
mas imponente, dos livros com os quais as traças mais atentas e informadas
trocam desejos, sugestões e destinos. Prefere o felino, doce, ao amaciar as
patas com lambiscos sutis, os desaforos de um Bandeira, Manuel, a irreverência
de um Drummond, os trágicos gênios, figurados, de Guimarães, sertanejando
guerreiros e posturas nos imagináveis dos percalços e despropósitos. Os
clássicos, sobre os quais passeou suas atenções inúmeras vezes, saboreando
desde Vieira à Machado, estirados todos sobre as prateleiras carunchadas, os
respeita, como procedente e devido, mas acomoda-se, o gato, mais a vontade, sobre
o inusitado, a rebeldia, a irreverência. Os bolores nas paredes são prestativos
e atenciosos para saudarem o tempo mastigando o velho sobrado, do gato, onde me
deixa refugiar, debruçado sobre a calçada de Assunhãe. Aveludados e amadurecidos,
caindo em desenhos abstratos sobre as paredes, os bolores se esticam ouvindo o
cravo distante.
O gato,
atento à crônica de Paulo Mendes Campos, discute-a com o percevejo faminto,
curioso, que o rato acaricia com nostalgia antes de devorá-lo. O sino dobra-se ao
apelo do cravo: retirarem-se para o além, só então. Assunhãe repousa solidão.
Ceflorence 21/08/16 e-mail
cflorence.amabrasil@uol.com.br
Quem não precisa, um dia, "fugir" para Assunhãe dos Perdões?
ResponderExcluirObrigada Sr Florence, por me dar essa oportunidade com as suas crônicas...
Um abraço.
D. Márcia, com certeza seria ótimo se todos nós pudéssemos de vez em quando fugir para os Assunhaes e redimirmos nos perdoando. Muito obrigado pelo retorno e carinho de sempre.
ExcluirD. Márcia, com certeza seria ótimo se todos nós pudéssemos de vez em quando fugir para os Assunhaes e redimirmos nos perdoando. Muito obrigado pelo retorno e carinho de sempre.
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