EGO MEU DONDE ESTÁS? EM FÁ
SUSTENIDO, ABISTEL OU A FLOR DE LIZ NÃO BROTOU?
Paira-me até hoje a interrogação que se tal houvera em ré menor,
poderia ter ocorrido da mesma forma que se deu na Constelação de Aires ou ainda
com a brisa do sonho como melhor apetecesse? Mas não se deu e prossigo. Irrompe
me perguntar de improviso se raciocino em grená após deleitar a quinta sinfonia
ou o complexo de Édipo tem influência sobre a menopausa do esturjão? Este
conflito saboroso, emulação, que aflora em sendo, me intriga eterno se é fruto
da emoção, do consciente, vinho tinto, impudência, atração sexual, materialismo
histórico, reciclagem de lixo, irresponsabilidade, reforma agrária, amor,
imaginação, pré-conceito, não menos respeitável, inconsciente, saudades ou
vontade de exibir-me. Como dilema eterno é emocional ou intelectual? Não tenho resposta,
mas constato que por isto o meu último leitor sou eu e o abstrato silêncio. Mas
impinjo-me seguir.
Fato e precaução como aviso. Não é afrodisíaco, mas também não
suporta críticas pessoais, coletivos lotados ou ejaculações precoces estas
melancolias ou paranoias. Dou conta da consciência, assustada ou vadia, ser a
única própria consciência deste labirinto circular. Viver é muito perigoso,
senha do meu mestre Guimarães. Poderia ter agradavelmente memorado esta cena
inteirando-a entre um correr de casas modestas, flores nas jardineiras, violão
à mão, intenção de serenata a ser dedicada à frustração, pois estava
apaixonado, ou a melancolia ainda tentando se explicar por falta de hábito
naquele se desfazer, fim de tarde, lábios do anoitecer. Senhor, ajudai-me,
segure meus delírios ou peça ao garçom um vinho tinto.
Se ruborizaram piegas o sol e o poente ao se beijarem. Se fosse
poeta colocaria esta delonga verbal, inútil, registre-se, para surtir efeito
emocional sobre alguém imprudente, em um sorvete de marzipã ou ofereceria as
palavras separadas, em ordem não alfabética, à professora em vez da maçã, sem
pejo ou sorriso cínico. Devaneio, como proponho-me, é inútil na maior parte das
vezes, mas muito interessante, perigoso outras, confuso sempre, irritante ou
alegre, quiçá necessário, ainda pode se desafazer esvoaçante por desconhecidos
imbróglios ou se assenta infernal como paranoia irresoluta sem reticências
sobre o pedestal da arrogância.
E a reflexão, minha, permite-se portar com independência e altivez
como tal maré que segue as determinações da lua e não tem a menor consciência
de ser. De onde vem meu imaginar? Não obtenho retorno, mas é como prospero
transtornar-me em infinitesimais deleites, curvas inacabadas, retas indecisas,
desfigurações confusas. Não escolhi, brotam. No meu caso eu esbarro, não
reclamo, mas tenho muito medo, embora disfarce com habilidade. Obrigo-me
refletir como as coisas aleatórias surgidas no, ou melhor, do meu ego
subalterno ao inconsciente, prestes a se enrolar nos delírios, como sempre, mas
no momento escolhi, por não conseguir segurá-lo, a forma original das
jabuticabas silvestres que se desmilinguem das próprias flores para se tornarem
bolas e belas. Se não beijadas pelas abelhas, cismas, as aves, alguém
apaixonado, talvez pobres
famintos, se desfazem murchas, tristes, desconhecidas. Enfim, me
confundem desesperadamente estes pensamentos que tal jabuticabas se desfazem
rapidamente sem saber por onde somem.
Assim perco-me ao dirimir e fingir que sou kardecista, intelectual
de vanguarda, monge maoísta talvez ou em busca constante do eu. Meu vizinho
Elpádio, instrutor de subserviência em uma fábrica de algo para alienação
infantil, prefere cerveja gelada em copo de cristal com iscas de manjuba,
enquanto imagina assistir seu time de futebol marcando gols e discute consigo
mesmo por ser normal não escutar a metamorfose da crisalida em cigarra. É a
crisalida que se metamorfoseia ou meu pensamento?
Por que fui inventado imaginante das situações nas direções
inversas das escalas jônicas enquanto o colibri paira irredutível sobre o
infinito até definir suas opções de destino, sobreviver ou procriar? A natureza
é única, cria o beija flor por razões sublimes e os loucos para observá-los. Se
eu não constato o voo puro da ave será que ela existiria? São as dúvidas do
filosofo e do criador. Alguém já me desvelou intimamente que a natureza só se
confirma porque a vemos, mas a confusão é mais agradável e naquele momento
subiu uma brisa da maré dando sossego ao ego desalentado.
Porém o horizonte se preparou para acarinhar a luz do dia em seu
regaço e volto a não ter consciência clara do que penso, não me concentrar no
raciocínio correto, como deveria. Se existe correto? Seria sonho acordado ou
distúrbio esquizoide? No aproximado do largo em frente, um sabiá cantou,
irritado, para lembrar-me o compromisso à tarde de contas a pagar e telefonar
para os pêsames a Lecália, que ficou viúva ontem de Acamôr, meu primo que
morava em Caramoi da Água Funda. Abandono o talvez anterior por determinação da
contingência e esqueço a demência por uns momentos. Tal teria acorrido, não
recordo, no verão de Canacei, salvo se deu-se de forma embrionária nos
tradicionais delicados correres de águas onde o verbo passivo apoita para
dormitar estafado.
O eu, que sou eu e só, as vezes duvido, para não pairar suposição
outra, não se incomodou com a voz passiva, pois intempestivo continuei a
saltitar das indefinições para os pensamentos, destes para as figuras, passei à
estrofe alexandrina, entremeei hipóteses sem confirmação, com isto, não poderia
ser diferente, brotou ansiedade. Acalentei chegar a qualquer provérbio ou a uma
situação definida e assim convencer-me que era normal minhas instabilidades
emocionais. Nesta altura não sabia mais se era imaginação, desejo ou se o eu que
fingia controlar a situação seria o mesmo eu que saboreava o caos
esquizofrênico docemente em mim implantado. Tudo, repetia-se, embora, desta
vez, ocorrera em Domingo de Ramos. Contei ao psiquiatra as angústias, que me
mandou escolher entre Narciso e Édipo, torturou-me para confessar quantos anos
eu teria quando vi minha mãe nua pela última vez e com que frequência eu
assassinei meu pai enquanto me masturbava.
Entre as alternativas propostas tecnicamente perfeitas por ele,
supus que adoraria escutar Noel Rosa em Feitio de Oração. Segurei uma perna do
ego querendo escapar pelo silêncio, fingir que iria ler Ilíada e não criar
nenhum vínculo com a realidade
ou transferência com o psiquiatra. Mas daí já chegara quinta feira
e zodíaco cruzaria com aquários ao escurecer e não deveria ter nenhum receio de
que a metamorfose da libélula me traria esperança ou pensar em subterfúgios
para concluir que meu pensamento é independente. Não sei do que? Sem concluir,
permaneceu a dicotomia; é do transtorno do meu próprio eu que me mistifico
insanamente ou insanamente é a mistificação do transtorno que me constrói em
este eu que não existe existindo?
Tentei apanhar as emoções dos movimentos do corpo meu ali
perplexo. Não obtive sucesso, pois a alma discordou e me avisou ironicamente
que este eu, do agora, não permaneceria o mesmo eu, o do amanhã, apesar de
saber que o sol voltaria e a flor se desfaria do bulbo para prevalecer. Deixei
o corpo, duvidoso, alma, instável, ungindo Descartes, pois Deus cansou-se
destas discussões e se silenciou em um recanto escondido do eterno. Esgotado
tentei não pensar, mas o pensamento não considerou significante. Pedi ao garçom
uma garrafa de solidão como algo apropriado a ser bebido para iludir-me, como
faço em tempos de meditação. Na falta de companhia e motivos, assento a mesma
garrafa de solidão à beira do infinito. Não sei por que infinito, poderia
encostar ao lado do Bolero de Havel ou de uma pule de corrida de cavalo já
confirmada, mas me preparo como réu confesso para receber a sentença final.
O cutelo da depressão, dócil como veneno, suavemente desce sobre
meus desejos. Tento recolhe-los despedaçados, correndo para os recantos dos
meus imprevistos. A capela trás amena as badaladas dos meus anseios. Nunca sei
quantas ainda faltam até o ego se extirpar para sempre. A paz não existe, mas,
indiferente, ecoa, ecoa, ecoa, de um imaginário irrequieto que jamais contenho.
Fecho o caderno, guardo a caneta. Lacrimejo um sorriso. Despeço-me de mim para
entrar na minha esquizofrenia.
Ceflorence 21/04/21 - e-mail - carlos.florence@amabrasil.agr.br
linda e inteligente crônica,
ResponderExcluirsempre muito boa para refletir.
parabéns.
Muito obrigado pela visita e gentil comentário
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