AMARGO CANTO E OUTRAS
PROSAS
A coruja mastigava silêncio e assuntava infinito
sem consultar partitura. E dali, do silêncio, amargou a olhuda ave, prestadora
de muita atenção em tudo ocorrido nos contornos, dúvida se veria ainda Macaininha,
puta de serventia e profissão, em Jenicoára, montada desde os treze por bicho
xucro, sair com vida até a madrugada. Deu-se por vencida, Macaininha, e abriu, por
derradeiro, as pernas estropiadas nas rameirices, nas camas sujas e nas cafuas velhas,
para cuspir, pela boca calada da buceta, Tiôco, Teocrácio dos Boratos e virou sendo
o Tiôco da Puta Morta, pois a mãe se foi ao além assim que ouviu o choro do
filho. Uma vala rasa deu conta de recebê-la antes de deus e o diabo disputarem sua alma sofrida e
mal informada das destrezas das maldades ou dos regalos das bonanças. Coisas
dos filósofos e teocráticos que as miudezas não afortunam.
Quem
deu conta do parto, da parida e da partida foi afamada benzedeira, Regala dos
Atados, que não recusava curar mal olhado, destravo de parto de jumenta
atravessada, praga de lobisomem caçando rodamoinho em noite de lua cheia ou de
mulher da vida enfezada de cafetão. Ali, no que Macaininha parou de gemer, o escuro,
a mando da coruja cega, espionou Regala tirar, das suas bruacas corroídas, duas
talagarças de amarrar demônio e corno bravo e as esfregou na fuligem do forro
para dar melhor grude e enrolar Tiôco.
Atirou
ali, a título de batismo, dois cuspes na cara do recém-nascido para que ele desanimasse
do gemido e aprendesse a não matar a mãe que o pariu antes de pagar a parteira dos
provimentos. Sem travados, caiu Regala no rastro do curiango que se amoitava na
cruz na porta da capela de taipa caindo. Mesmo no escuro, ela enxergava o canto
seco do curiango propondo destino, nos voos quebrados. Curiango contornou um
roçado piquira de milho ruim abeirado de um pasto ralado. Ali, no repente, uns
cavalos refugaram assustados e resfolegaram tropel de estouro para endireitar
pelo riacho, clamando um pouco de madrugada. Quem deu por conta de ouvir de
longe a madrugada rompendo solidão foi a seriema do sopé da serra da catinga
dos Desarvorados, chamando o companheiro para pedirem aos destinos que
mandassem as chuvas faltadas há mais de verão e uns pedaços
Juntou
à procissão salvadora do recém-nascido, da puta da mãe morta, a coruja a
chamuscar cismados do curiango e acomodaram espertos no beiral do rancho do
Mulato Cobra. Regala entrou pisando as advertências nas pontas dos pés e encontrou
jacá forrado de maconha, taipa do fogão fartada. Mulato era provedor dos rios
abaixo das fartas abastanças das ervas muito carentes e apreciada em acordos ajustados com o
delegado de polícia, o sacristão da matriz e o deputado eleito pela comarca.
Deus, àquela
hora já desperto, deu por ajustado e satisfeito que nascera na zona, de parto triste
e terminal, mas fora bem recebido na choça do Mulato da Maconha, Tiôco da Puta
Morta, da Coruja Cega, do Curiango da Capela, da Parteira e da Maconha Afetiva.
Benção, Senhor.
Ceflorence 16/02/17 email clorence.amabrasil@uol.com.br
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